O Movimento da Escola Moderna (MEM) assenta num Projecto Democrático de autoformação cooperada de docentes, que transfere, por analogia, essa estrutura de procedimentos para um modelo de cooperação educativa nas escolas.
A criação do Movimento decorre da fusão de três práticas convergentes: a concepção de um município escolar, numa escola primária de Évora, a partir da proposta de Educação Cívica de António Sérgio, em 1963/64; a prática de integração educativa de crianças deficientes visuais do Centro Infantil Hellen Keller apoiada nas técnicas Freinet; a organização, por Rui Grácio, dos cursos de Aperfeiçoamento Profissional no Sindicato Nacional de Professores, entre 1963 e 1966. E justamente em 1966 que se funda o Movimento da Escola Moderna por transformação do Grupo de Trabalho de Promoção Pedagógica constituído no Sindicato.
O MEM associou-se à Federação Internacional dos Movimentos de Escola Moderna, no ano da morte de Célestin Freinet (1966) e em plena polémica aberta pela Pedagogia Institucional criada pelo grupo dissidente de Paris, que muito inspirou os primeiros passos do Movimento Português.
A partir da sua constituição, o trabalho teórico e prático desenvolvido em Portugal foi operando a deslocação do modelo de uma “Pedagogia Freinet” para um modelo contextualizado teoricamente pela reflexão dos professores portugueses que o vêm desenvolvendo.
Assim, de uma concepção empirista da aprendizagem assente no ensaio e erro (tateamento experimental de Freinet), foi evoluindo para uma perspectiva de desenvolvimento das aprendizagens, através de uma interacção sociocentrada, radicada na herança sociocultural a redescobrir com o apoio dos pares e dos adultos, na linha instrucional de Vigotsky e de Bruner.
O esforço didáctico e organizador do docente assenta, no MEM, na convicção de que as aprendizagens se devem apoiar nos métodos desenvolvidos por cada área científica ou cultural ao longo das suas respectivas histórias.
É o que se chama na Escola Moderna Portuguesa de homologia epistemológica entre o ensino-aprendizagem e o desenvolvimento sociocultural (Ciências, Técnicas, Artes e Vida Quotidiana).
Da ênfase inicial colocada nas expressões, os educadores do MEM deslocaram a acção pedagógica para a comunicação assente em circuitos de informação e de trocas sistemáticas entre alunos.
Do enfoque pedocêntrico, deslocaram a gestão do acto pedagógico para uma visão sociocêntrica da educação escolar onde a interacção (entre pares e com o professor), organizada para fins concretos de actividade educativa, de estudo e de intervenção por projectos cooperados, ganha progressiva qualidade no desenvolvimento dos educandos.
Da prioridade dada por Freinet às técnicas pedagógicas, sustenta-se, no MEM, que a educação escolar assenta na qualidade da organização participada que a define como sistema de treino democrático.
Da avaliação social fundada na assembleia de cooperativa, passou-se a uma regulação radicada no conselho (de função institucional) que institui e reinstitui as normas sociais para a promoção moral e cívica dos alunos, sem mediações burocráticas excessivas, antes de forma directa e auto-sustentada.
Passou-se, assim, igualmente, para a tomada de decisão por consenso negociado onde a consciencialização dos fenómenos e o exercício de clarificação moral são mais determinantes e onde a votação só ocorre quando as pressões temporais o impõem.
Também os instrumentos de organização e de regulação educativa utilizados por Freinet têm vindo a ser reestruturados e refundamentados pelo MEM, como é o caso das formas de planeamento do trabalho e da transformação de sentido do “Jornal de Parede” em “Diário” da turma (Niza, 1991) enquanto instrumento de regulação formativa.
O persistente esforço de reflexão epistemológico-didáctico feito ao longo de mais de um quarto de século pelo MEM, em Portugal, fé-lo diferenciar-se de outros movimentos europeus de Escola Moderna: essa originalidade ocorreu por se ter instituído como movimento de autoformação cooperada de docentes (nos vários graus de ensino) cujas práticas educativas constituem ensaios estratégicos e metodológicos sustentados por uma reflexão teórica permanente. Desta decorrem os modelos de trabalho dialecticamente aferidos por várias práticas.
Os educadores e professores dos vários graus de ensino organizam-se em grupos de cooperação formativa (“Grupos Cooperativos”), por interesses e áreas afins, em núcleos regionais actualmente com sedes em Vila Real, Porto, Aveiro, Coimbra, Marinha Grande/Leiria, Tomar, Seixal, Setúbal, Lisboa, Portalegre, Evora, Beja e Faro.
Para além de um sábado mensal de apresentação e descrição de práticas pedagógicas e de reflexão sobre um tema do sistema educativo, aberto a todos os profissionais de educação da região, o MEM realiza um Encontro Nacional por altura da Páscoa e um Congresso Anual a partir da sua actividade pedagógica e formativa.
Os representantes dos vários núcleos constituem com a Direcção (eleita bianualmente) o Conselho de Coordenação Pedagógica que reúne mensalmente para traçar orientações e coordenar colegialmente a vida dos núcleos regionais.
Um número considerável de sócios do Movimento é, hoje, formador nos Centros de Formação Contínua, nas Escolas de Formação ou no Centro de Formação Contínua de que dispõe.
Expandiram-se, assim, os processos isomórficos e de formação através de projectos alargados a outras instituições de formação de professores.
É evidente, também, a influência do labor do Movimento nas reformas curriculares empreendidas nos últimos vinte anos.
Sérgio Niza
In Modelos Cuurriculares para a Educação de Infância