Princípios pedagógicos e concepções estratégicas

A escola define-se para os docentes do MEM como um espaço de iniciação às práticas de cooperação e de solidariedade de uma vida democrática. Nela, os educandos deverão criar com os seus educadores as condições materiais, afectivas e sociais para que, em comum, possam organizar um ambiente institucional capaz de ajudar cada um a apropriar-se dos conhecimentos, dos processos e dos valores morais e estéticos gerados pela humanidade no seu percurso histórico-cultural.

É no envolvimento e na organização construídas paritariamente, em comunidade cultural e formativa, que se reconstituem, se recriam e se produzem os instrumentos (intelectuais e materiais), os objectos de cultura, os saberes e as técnicas através de processos de cooperação e de interajuda (todos ensinam e aprendem).

Assim se caminha, por negociação progressiva, desde o planeamento à partilha das responsabilidades e da regulação/avaliação. Por negociação se procede à construção dialogante dos valores e dos significados das práticas culturais e científicas em que radica o desenvolvimento e a educação. Desta concepção de escola como comunidade de partilha das experiências culturais da vida real de cada um e dos conhecimentos herdados pela História das Ciências e das Culturas, decorrem três finalidades formativas:

1. a iniciação às práticas democráticas;

2. a reinstituição dos valores e das significações sociais;

3. a reconstrução cooperada da Cultura.

Não se trata de três domínios da formação dos alunos, mas de três dimensões interdependentes que dão sentido constante ao acto educativo, conscientemente participado na sua construção e devir. 

É através de um sistema de organização cooperada que as decisões sobre as actividades, os meios, os tempos, as responsabilidades e a sua regulação se partilham em negociação progressiva e directa e que o treino democrático se processa de maneira explícita no Conselho Instituinte.

Desse modo se vive a constituição das normas de vida do grupo, se clarificam, funcionalmente, os valores e as significações que decorrem da interacção social. E sempre pelas aproximações sucessivas e dialogantes que os circuitos formais de comunicação e a circulação das produções e das aprendizagens proporcionam.

 
É também nesse sistema interactivo de cooperação que o conhecimento se apropria e integra.
 
Os alunos, com a colaboração do educador, reconstituem, através de projectos de trabalho, os instrumentos sociais de representação, de apropriação e de descoberta que lhes proporcionam uma compreensão mais funda, através dos processos e dos circuitos vividos, da construção e circulação dos saberes científicos e culturais.
 
Essa tomada de consciência (metacognição) da apropriação dos conhecimentos, através da vivência dos processos da sua construção, dá dimensão crítica e clarificadora (desmistificadora) aos saberes e acelera e consolida a intemalização dos conhecimentos e das práticas sociais da sua construção (Vigotsky, 1988).
 
Decorrem, destas finalidades, sete princípios de estruturação da acção educativa:
 
1.Os meios pedagógicos veiculam, em si, os fins democráticos da educação. Este princípio, mais geral e abrangente, destina-se a clarificar e a dar coerência ética àescolha dos materiais, dos processos e das formas de organização que melhor se adeqúem às regras e objectivos democraticamente instituídos pelos educandos e educadores. Trata-se de uma estratégia isomórfica de formação democrática orientadora do desenvolvimento educativo.
 
2. A actividade escolar enquanto contrato social e educativo, explicitar-se-á através da negociação progressiva dos processos de trabalho que fazem evoluir a experiência pessoal para o conhecimento dos métodos e dos conteúdos científicos, tecnológicos e artísticos.
 
Este entendimento de uma formação escolar evoluindo por acordos progressivamente negociados pelas partes (professores e alunos e alunos entre si) acentua, desde logo, o respeito conferido aos “actores” desse processo social.
 
Ao assumi-lo como contrato social, sublinha-se a autenticidade conflitual desse encontro que não se quer dissimulado, como ocorre com frequência nas escolas.
 
É o esforço dialógico dessas aproximações sucessivas, em busca de consensos, que acrescenta qualidade e inteligência à actividade escolar em comunidade.
 
A organização contratada das acções acrescenta-lhes motivação e significado. A organização e gestão participada dos conteúdos, dos meios didácticos, dos tempos e dos espaços é, por isso, o cerne da pedagogia da Escola Moderna, desde o planeamento da acção até à sua retroacção reguladora. O que significa que todos os actos de avaliação se processam em cooperação formativa e reguladora.
 
3. A prática democrática da organização partilhada por todos, institui-se em conselho de cooperação. E abrange toda a vida na escola (ou jardim-de-infância) desde os actos de planeamento das actividades e dos projectos à sua realização e avaliação cooperadas.
 
O conselho, com o apoio cooperante do educador, é a instituição formal de regulação social da vida escolar. Pelo conselho passa o balanço intelectual e o progresso moral da classe a partir dos registos de pilotagem das acções planeadas e dos juízos fixados no Diário do grupo.
 
4. Os processos de trabalho escolar reproduzem os processos sociais autênticos da construção da cultura nas ciências, nas artes e no quotidiano. Esta semelhança nos processos de trabalho (homologia de processos) entre a escola e a vida social produtiva pretende afastar a Escola Moderna do abuso das formas de simulação e dos truques didácticos que decorrem da perda do sentido social da escola, da falta de respeito pelos alunos e da convicção de que a didáctica é um saber de natureza e estrutura em tudo diferente da das ciências e saberes que pretende veicular.
 
Para os docentes do MEM, o acto didáctico cumpre-se com os alunos, num esforço de apropriação dos métodos e processos inerentes a cada área do saber, como a estratégia mais adequada para o aluno assimilar os respectivos conteúdos.
 
Significa isto, e mais uma vez, que os métodos e procedimentos sociais são inseparáveis dos conhecimentos (conteúdos) que geram, isto é, que se foram produzindo ao longo da história desse esforço de querer conhecer.
 
Por isso, as estratégias de aprendizagem se orientam, neste modelo pedagógico, para as estratégias metodológicas próprias de cada conteúdo científico, tecnológico ou artístico.
 
5. A informação partilha-se através de circuitos sistemáticos de comunicação dos saberes e das produções culturais dos alunos.
 
A valorização social dos saberes e dos produtos reconstituídos e gerados pelos alunos dá sentido imediato à partilha desses saberes (estudos, projectos, inquéritos, habilidades) e produções, multiplicando o seu alcance através da difusão (próxima e distante), da mostra e da sua aplicação funcional na comunidade educativa (ensinando aos outros, por exemplo).
 
É necessário, para tal, que se montem circuitos estáveis de produção e de distribuição ou divulgação desses produtos, como os circuitos de produção e distribuição dos escritos, ou da divulgação dos estudos e projectos (em curtas apresentações diárias ou em painéis ou conferências), ou ainda a mostra indispensável das construções, das tapeçarias, das pinturas e desenhos, de peças de teatro, de instrumentos musicais, etc.
 
Os públicos destinatários são em primeira mão os companheiros de grupo (e não especialmente o educador), as outras turmas e os correspondentes, os vizinhos, os amigos da escola e as famílias.
 
6. As práticas escolares darão sentido social imediato às aprendizagens dos alunos, através da partilha dos saberes e das formas de interacção com a comunidade.
 
Acentua-se, assim, o valor motivacional e cívico que constituem a cooperação e a comunicação, não só na construção dos saberes individuais, pelo esforço de cada aluno, para ensinar o que aprendeu, clarificando e pondo à prova essas aprendizagens, mas sujeitando-as à partilha como exercício solidário. Refere-se, igualmente, à importância da actuação na comunidade envolvente ou mesmo em pesquisas à distância, por correspondência com outras escolas.
 
Tal actuação dá concretização funcional aos saberes escolares, revitaliza e acrescenta sentido social ao labor dos alunos: desde o inquérito social ou a observação directa e programada do meio até aos projectos para resolução de problemas ambientais ou sociais ao alcance dos alunos, com o apoio das pessoas e das instituições da comunidade.
 
7. Os alunos intervêm ou interpelam o meio social e integram na aula “actores” comunitários como fonte de conhecimento nos seus projectos.
 
Para além das formas de partilha e de intervenção já evocadas, os alunos pedem aos pais, aos vizinhos e às instituições muita colaboração para a realização dos seus projectos, quer na recolha das informações que hão-de ser trabalhadas na classe, quer convidando pessoas que sabem coisas que importa que sejam conhecidas, para um contacto directo com os alunos. Cria-se assim um sistema regular de informação e interajuda onde a escola se revitaliza, enriquece e ganha valor social de pertença. E essa identidade cultural, trazida pelas situações vivenciadas em interacção constante com as comunidades de origem dos alunos, que situa a escola na sua circunstância. E essa circunstância que lhe dá crédito e vitalidade.
 
Sérgio Niza
In Modelos Curriculares para a Educação de Infância